Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça não são as mesmas coisas:
“Não caracteriza bis in idem (do latim, “repetição sobre o mesmo”) o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar”.
Segue o resumo da decisão:
Observe-se, inicialmente, que, conforme determina o art. 121, § 2º-A, I, do CP, a qualificadora do feminicídio deve ser reconhecida nos casos em que o delito é cometido em face de mulher em violência doméstica e familiar. Assim, “considerando as circunstâncias subjetivas e objetivas, temos a possibilidade de coexistência entre as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Isso porque a natureza do motivo torpe é subjetiva, porquanto de caráter pessoal, enquanto o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise” (Ministro Felix Fischer, REsp 1.707.113-MG, publicado em 07/12/2017).
Para acesso completo da decisão clique aqui.
Contudo, não compartilhamos do mesmo entendimento do Digno Ministro do STJ. Explicamos:
Primeiramente devermos observar que foi descrito que a natureza do motivo torpe é subjetiva, pois tem caráter pessoal, enquanto o feminicídio possui natureza objetiva.
Vejamos o que dispõe §2º do artigo 121 do Código Penal:
Homicídio qualificado
2° Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II – por motivo fútil;
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
Feminicídio
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
[…]
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
§2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Motivo torpe é aquilo que traz vergonha, que é desonesto, que traz repúdio, que deprava e insulta os bons costume de uma sociedade de bem-estar.
O §2º do artigo 121 aduz “se o homicídio é cometido:” elencando o motivo torpe no inciso I e o feminicídio no inciso VI (que para nós é a mesma coisa). Tal parágrafo elenca motivos e todo motivo envolve uma subjetividade, ou seja, é algo pessoal.
Para ser feminicídio, deve sim ser verificada a subjetividade do agressor, afinal de contas a violência doméstica existe porque o agressor possuir um perfil machista, ignorante ou brutal entre outros e esses perfis são subjetivos, é sua crença, fazendo acreditar que mulher é inferior, submissa, uma serviçal entre outros adjetivos ruins, menosprezando-a e descriminalizando-a por esse motivo, qual seja torpeza.
Damos-lhe dois exemplos:
- Uma filha de pais ricos resolve matá-los para ficar com a herança.
- Uma mulher mãe de três filhos, todos os dias é humilhada por um homem que ingere bebida alcoólica diariamente, até que um dia ela não aguenta mais a situação e resolve se defender, e acaba, por fim, sendo morta.
Ambos os casos são motivos que trazem vergonha, desonra, repúdio, e que deprava e insulta os bons costume de uma sociedade de bem-estar. Ou seja, são torpes.
Mas porque há o dito feminicídio?
A resposta mais clara é que o político para ganhar a atenção do povo (votos) cria crimes para penalizar esses tipos de condutas que a sociedade despreza muito, trazendo uma “solução”. Acontece que a solução para esses casos já existia antes de haver o feminicídio. Se um homem matasse uma mulher pela simples condição de ser mulher demonstrando ser vítima de violência doméstica ele era condenado por homicídio qualificado pelo motivo torpe.
Apenas mudou o nome, mas o motivo é o mesmo. A subjetividade é mesma. Se o inciso VI fosse mesmo caráter objetivo tal como foi descrito na decisão, estaria escrito da seguinte forma:
2° Se o homicídio é cometido:
[…]
VI – contra mulher.
Apenas isso, “contra mulher”, ou seja, todo aquele que matasse uma mulher responderia pelo delito de feminicídio, mas não, a Lei Penal dispõe “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:” e essas razões (motivos, subjetividade) devem ser analisadas caso a caso, pois não são todos os homicídios contra a mulher que podem ser considerados feminicídio. Uma mulher pode ser vítima, porque o marido descobre que ela estava traindo ele. Ele não responderá, portanto, pelo crime de feminicídio (em tese e é o que se espera), mas sim pelo crime de homicídio. Tornar o crime objetivo é generalizá-lo, e não foi essa a intenção do legislador quando criou esse “novo” tipo penal, mas sim de levar à tona casos específicos de mulheres que vinham sofrendo violência doméstica ou eram menosprezadas ou discriminalizadas.
Assim, na nossa visão, o Promotor de Justiça, quando verificar que uma mulher foi vítima de homicídio em razão de violência doméstica, ao propor a denúncia, por certo, deve optar em qualificar o crime ou em motivo torpe, ou em feminicídio. Nunca os dois, pois ninguém pode responder criminalmente duas vezes pelas mesmas circunstâncias.